O L H O S um livro . walden zero project
emanuel dimas de melo pimenta
2018
H U M A N O S
Tanto as ciências humanas
como as naturais, assim como a matemática e a filosofia,
têm a perspectiva impraticável do que os antigos
chamavam de vita contemplativa em oposição à
vita activa. Mas a vida contemplativa é menos real ou,
para ser mais preciso, é sua contribuição
para o que chamamos de realidade menos importante do que a da
vida ativa? A pessoa que aceita um dólar em troca de vinte
e cinco maçãs comete um ato de fé e se submete
a uma doutrina teórica, assim como a pessoa medieval que
pagou pela indulgência. Alguém que é atropelado
por um automóvel é atropelado pela matemática,
física e química. (...) Mesmo aquele que meramente
transmite conhecimento ou aprendizado participa, de maneira modesta,
no processo de moldar a realidade - fato que os inimigos do humanismo
são certamente mais conscientes do que seus amigos.
Erwin Panofsky, in Meaning in the Visual Arts
Somos uma permanente metamorfose.
Mas, como estamos demasiadamente próximos de nós
mesmos, relativamente pouco percebemos das nossas próprias
transformações.
Basta olharmos para os desenhos que fazíamos quando éramos
crianças para percebermos como aquilo que para nós
era a realidade visual mudou radicalmente com os anos.
Isso acontece ao longo das nossas vidas, embora aparentemente
de forma menos radical.
Vamos mudando plasticamente os nossos cérebros ao longo
dos anos.
E isso também acontece, não menos intensamente,
com grandes grupos humanos ao longo de longos períodos
de tempo.
Para se ter uma ideia de como tal funciona, veja a história
de algum pintor através dos seus quadros. Aquilo que algumas
pessoas chamam de "evolução" é
metamorfose.
Essa mutação acontece também no curso dos
séculos, e não está restrita à visão.
Ocorre na música assim como no mundo das ideias.
Quando referimos à visão, damos a esse fenômeno
o nome de iconografia.
Olhos Humanos (Human Eyes, texto em inglês) é um
livro sobre uma coleção de gravuras iniciada há
mais de trinta anos, nos anos 1980. Trata-se de uma parte da
coleção que cobre, com centenas de trabalhos, um
período de mais de quinhentos anos, com desenhos de 1503
até os nossos dias.
São mais de cem fabulosos ilustradores que nos contam,
através dos seus trabalhos, a nossa metamorfose em termos
de civilização e iconografia, como a realidade
se transforma.
Várias dessas gravuras também estão presentes
em importantes coleções, como o Metropolitan Museum
de Nova Iorque, o British Museum e a Tate Gallery entre outros.
Kant defendia que aquilo que conhecemos é a nossa forma
de conhecer. Duzentos anos mais tarde, Marshall McLuhan traduziria
Kant na sua célebre máxima: o meio é a mensagem.
Alteramos os meios ao longo dos séculos e transformamos
aquilo que somos, a realidade, revelando interiores e exteriores
como um único fenômeno em contínua metamorfose.
Ernst Gombrich diria: "O verdadeiro milagre da linguagem
da arte não é permitir ao artista criar a ilusão
da realidade. É que, sob as mãos de um grande mestre,
a imagem se torna translúcida. Ao nos ensinar a ver o
mundo visível de novo, ele nos dá a ilusão
de olhar para os reinos invisíveis da mente - se é
que sabemos, como diz Filóstrato, como usar nossos olhos".
Entre os fabulosos desenhistas na coleção estão
William Hogarth, que ficaria conhecido como o Shakespeare da
ilustração; Gravelot; Boucher; William Turner;
Auguste Renoir; James Skene; Hablot Knight Browne, muitas vezes
mais conhecido como Phiz; um auto-retrato de Ticiano; ou o magistral
Gustave Doré entre muitos outros.
O livro é feito em memória de um querido amigo,
o grande ilustrador e especialista em cor, Fred Jordan, que viveu
entre 1928 e 2001.
Compreender o mundo contemporâneo em todas as suas faces,
campos e disciplinas, e a nós próprios, implica
compreender esse processo de permanente metamorfose.