SUTURA
Emanuel Dimas de Melo Pimenta

 

All our alienation and atomization are reflected in the crumbling of such time-honored social values as the right of privacy and the sanctity of the individual; as they yield to the intensities of the new technology's electric circus, it seems to the average citizen that the sky is falling in. As man is tribally metamorphosed by the electric media, we all become Chicken Littles, scurrying around frantically in search of our former identities, and in the process unleash tremendous violence. As the preliterate confronts the literate in the postliterate arena, as new information patterns inundate and uproot the old, mental breakdowns of varying degrees--including the collective nervous breakdowns of whole societies unable to resolve their crises of identity--will become very common. It is not an easy period in which to live, especially for the television-conditioned young who, unlike their literate elders, cannot take refuge in the zombie trance of Narcissus narcosis that numbs the state of psychic shock induced by the impact of the new media. From Tokyo to Paris to Columbia, youth mindlessly acts out its identity quest in the theater of the streets, searching not for goals but for roles, striving for an identity that eludes them.


Marshall McLuhan
entrevista para a revista Playboy, 1969

 

Nirvana is a state of pure blissful knowledge... It has nothing to do with the individual. The ego or its separation is an illusion. (...) No self is of itself alone. It has a long chain of intellectual ancestors. The "I" is chained to ancestry by many factors ... This is not mere allegory, but an eternal memory.


Erwin Schrödinger

 

O objectivo era elaborar uma escultura orgânica. Aquilo que é orgânico implica um metabolismo. A princípio, todos os tipos de organismos respondem a estímulos, crescem, desenvolvem-se, mantém um equilíbrio homeostático e se reproduzem. Isto é, o orgânico não é a simples mistura de partes inorgânicas, mas a combinação de complexos com propriedades emergentes relacionadas a outros complexos com propriedades emergentes.

Mas, o orgânico trás em si um dilema: para ser verdadeiramente orgânico, ele tem de funcionar - ou ter funcionado - como um organismo e ser uma espécie de petrificação orgânica.

Assim, não pode haver lugar, em princípio, para um objectivo racional na intenção de se estabelecer uma figura orgânica - quando tal acontece, temos a
representação daquilo que é orgânico, e não um instante congelado do organismo. Seria, então, uma relação degenerada com o seu objecto, uma questão simbólica.

Certos aspectos da comunicação, especialmente na sua dimensão não-verbal, são amplamente preenchidos de uma condição orgânica - especialmente quando não pensamos naquilo que comunicamos: a acção da comunicação liberta do signo. O movimento das nossas mãos ao fazer algum trabalho manual, das nossas bocas ao falar, ou dos nossos corpos quando falamos - que, quando abstraídos, assemelham-se ao nosso caminhar, aos movimentos involuntários - estão na fronteira entre a razão, empobrecimento sistémico de natureza teleológica, e o orgânico, a emergência teleonómica.
Esse momento me pareceu extremamente interessante pois, num certo sentido é a expressão por excelência do orgânico mais puro, concreto, noutro é a expressão mais pura da pessoa, do seu "estilo", da sua efémera e volátil escritura inconsciente do corpo.

Observar o movimento do corpo durante um processo de comunicação, liberto da comunicação, também é estabelecer um espelho. Nesse espelho é
impresso aquilo que Lacan chamou de sutura na amarração do antigo corps morcelé.

Mas, a sutura vai para muito além do corps morcelé no seu momento original, fase do espelho - é a amarração daquilo que dá a forma do gesto, à forma efémera da nossa escritura corporal. "Olhe, eu marquei aí a sutura" - dizia Lacan no seu Seminário XI, de 1964, em resposta a Michel Tort, que lhe perguntava sobre o gesto e o instante de ver, "a pseudo-identificação que há entre o que chamei de tempo de parada terminal do gesto e o que, numa outra dialéctica, que chamei de dialéctica da precipitação identificatória, ponho como primeiro tempo, isto é: o instante de ver. Isso se superpõe, mas não é certamente algo idêntico, pois um é inicial e o outro terminal".

O corpo partido que se amarra e desenha a sua articulação, num desenho estável mas não estático.

Assim, analisei o movimento involuntário - porque o seu autor não imaginava que algo do género seria feito - das mãos e braços de Joseph Beuys. Cada mão e braço desenha no ar uma espécie de atractor, cada um desses atractores é um dos vectores da escultura. Os gestos são o desenho do seu organismo, a expressão da sua sutura - uma espécie de petrificação orgânica através da luz, pois foi a partir de uma imagem filmada que se identificou o movimento.

Assim, cada atractor designa uma complexa dobradura de campo - verdadeira pregnância do espaço-tempo.

A Sutura 1 tem como personagem Joseph Beuys. Outros poderão se seguir.

A série Sutura é dedicada ao Leonel Moura, querido amigo de longa data a quem admiro muito e sinceramente.

Cada escultura deve ser concretizada através de 3D Print. Os eventuais "erros" são sua parte integrante, elementos da acção do pensamento livre do signo.

 

Emanuel Dimas de Melo Pimenta, Lisboa 2013